1 - RECEITA PARA UMA PORÇÃO POÉTICA
Poeta não sou.
Apenas de poesia tenho
Um monte,
Cá dentro.
Minha inábil intimidade
Com as palavras
Não me leva a decifrá-la.
Tempos difíceis...
Vida dificultosa.
Mas quando Deus
Faz-se presente
Tudo afugenta.
Acrescenta uma porção poética
Na difícil arte de ser.
2 - SIGNIFICATIVO MOÇO
Arrebito o nariz
Como se a solidão
Não me atingisse.
Passos firme.
A moça agarra
O moço.
Propriedade privada.
Esse gesto tudo me diz.
3 - OBSTINAÇÃO
O precoce adolescente
Discutia com o ranzinza adulto
Que o subestimava.
- ...Pelo menos não nos percamos
De vista. Amanhã você será
Um idoso e eu serei um adulto,
Poderemos, então, conversar
De igual para igual.
- Ledo engano. Minha sabedoria
E experiência serão seculares,
Enquanto a sua apenas se inicia.
4 - IMPRESSÕES NEURONAIS
Tantos séculos...
Esbranquiçaram-se
Meus cabelos.
Gastou-se minha roupa,
Gastou-se meu chinelo.
Esse amor em brasas...
Nunca foi chama.
Logo, logo, será cinza.
Fantasma
De minha ópera triste.
5 - EXPECTATIVA
Quem ousará abalar
Os alicerces do meu coração,
Outra vez,
Com tão grande amor?!
- Hã? ...Pois que ouse...
6 - NA NOITE DO MEU EU
Há um sol
No céu lunar,
Forçosamente.
Noturna natureza negra.
Centelhas mil inspiram-me.
7 - IMPOSTAMENTE MULHER
Renega ser mulher
Quase todo mês.
Cor de carmim.
Dorido
Feito o amor
No peito
Que o eletrocardiograma
Não detecta.
8 - PERSISTÊNCIA
- Elas?
Casaram-se
Com suas conformidades.
- Eu?
Continuo amando
Os impossíveis
De minha solteirice.
9 - ARTES PLÁSTICAS
Não quero tomar o caminho
Dos poetas incoerentes,
Que expressam sentimentos
Excêntricos
Numa arte cheia
De delírios.
10 - QUADRINHA I
Meu confinamento:
“Cem anos de solidão”.
Amada sem contentamento
Por esse “amor de salvação”.
11 - A POESIA DE TODAS AS HORAS
Declaro:
Aquela fantasia
Inquietante...
Aquele vulto tremular...
Obstinado.
É o plural central
De todas as poesias:
Você,
Sob quaisquer
circunstâncias.
12 - MARCAS SÁDICAS
A J.P.
Dez anos depois
Esse amor ainda me tortura.
Muito mais do que a repressão
Dos anos setenta fez a alguns.
13 - EU versus EU
Chove poros!
Dissolve minha composição
De argila e lixo.
Carne...
Lixo tóxico
Do espírito.
- Boca, cala ou clama,
Não reclama!
A boca se faz maldita,
Vez ou outra,
Despeja ofensivos lagartos
Que torturam a carne
E Provoca comichão no espírito.
14 - INSISTÊNCIA
A J.P.
Você é o meu labirinto,
Onde desejo transitar
Sem me perder.
Mas senhor contraste,
O mordomo,
Mostra-me a porta de saída.
15 - MUNDO CÃO
Escancaro uma saída
E vejo o mundo passar.
Ele me ofende e fede.
Alguns habitantes
Têm em mãos
A chave de muitos pecados.
Caminhos para muitos tormentos,
Tormento que reduz vidas.
16 - PEGADAS
Tenho no pensamento
Amor
E os olhos perdidos na estrada
Onde tanta gente passou.
17 - UNIÃO PATERNA
Filha do pai:
Concepção no abraço
Do espermatozoide
Com o óvulo.
Não sou mais embrião,
Ele nunca foi placenta.
Tal qual:
“Minha placenta vida a fora...”
Desconexão.
18 - RETORNO
Volta,
Ó alma aflita,
À infância desse corpo.
Toma outro caminho.
19 - MARIA DAS DORES
Seu rosto
Era de uma solidão
Só.
Denunciada nos olhos foscos.
As pálpebras caídas
Guardavam
Uma poça de sofrimento.
Não obstante,
Mantinha nos lábios
Um sorriso nada banal,
Posto pela transformação
Divinal.
20 - REPRODUÇÃO
Na poética
O coração é o útero,
A poesia o feto,
A mente a incubadora
E a caneta a parteira.
Pena que algumas maternidades
Editoriais
Tenham receio de investir
E alguns poetas morrem
Sem trazer à luz seus rebentos rabiscados.
21– MARCA
A J.P.
...Como esquecê-lo?!
Seu beijo deixou
Uma insígnia
Em minh’alma.
22 - CONSTATAÇÃO
Minha solidão
Grita,
Esperneia
E berra.
Eu e ela
Temos algo
Em comum:
Precisamos urgentissimamente
De um companheiro.
23 - MCMXXII
Ave! Arte Moderna
Cheia de graça.
Nós, os escrevinhadores,
Seremos convosco.
24 - DECEPÇÃO
Por que não me casei?
- Bem, eu estava na fila.
Mas quando chegou minha vez
Acabaram-se os mancebos.
25 - SOLIDÃO
Ao longe;
Talvez perto,
Um grilo acionava
Sua irritante orquestra.
Fixei olhos no teto
Sufocando grito guerreiro.
Alvoroçada saudade
De amar.
Desequilibra-me os passos,
Arrebenta-me o peito.
26 - SOBRIEDADE
Senhor,
Tenho apenas
Um punhado de fantasia.
- Lança-o no espaço da fé
E você contemplará a realização.
27 - "VUELTAS"
I
“Si pudiera vivir
Nuevamente mi vida...”
Ou voltar a fita...
Tanto palavrório dito...
Tantas palavras emudecidas.
Há quem acorde para a vida
Lentamente.
Eu queria era um acordar
Abrupto!
II
Tão bonita a lucidez
Da inteligência
De uma alma jovem...
Mesmo em um corpo senil.
III
Estremeci ao telefone
Ao ouvir sua voz.
Como se fosse
Os lábios seus
Roçando meus ouvintes.
28 - RECITAL
À Prof. Claudete
Declamar, eu?!
Eu só dou a poesia.
Os atores que a vomite.
29 - ENTRE QUERUBINS
Augusto,
Meu poeta favorito,
Era um anjo
Amargo,
Ou de uma quase amargura.
Não o culpo,
Todavia.
30 - AO LÉU
A música que passa
Retrata a mais pura solidão.
Provoca minha solidão,
Que rua tão só...
Eu, transeunte,
Deito nessa passarela
De pedra,
Passo a passo,
Meu abandono.
31 - DESFIGURADO
Meu pai não lia.
Minha mãe sorria
De meu poema
Sem nenhuma face.
32 - MARCA II
Primeiro beijo?
Fácil, fácil.
Seguia a trilha
Que os lábios dele
Deixavam nos meus.
33 - ANDANÇAS
Feriu-a de lepra
Nas pernas.
Por ter ousado,
Sem licença alguma,
Seguir caminhos
Rebeldes,
Com seus próprios pés.
34 - HOLOCAUSTO
I
Terra sábia e rica.
Devorou tantos eruditos.
Um dia,
Feito antropófago,
Comerá o cristal
Dos meus olhos
E
Minha poesia.
Decifrando-a
Letra por letra,
Página por página.
Arquivada em meu cérebro.
II
...E se Deus
Pedisse-me a queima
De toda essa “poesia”,
Por considerá-la
Material profano?!
Feito Abraão
Teria eu coragem
De oferta-lhe
Minha única filha?
35 - ORAÇÃO DE MENDIGO
Supra minha fome,
Senhor,
Para que eu não venha
Comer o pão
Que o Diabo amassou.
36 - LAVAGEM LACRIMAL
Hei de chorar, hoje,
Todas as minhas dores.
Todos os meus erros.
Quem sabe assim
Não os lavo de mim?
“Corram tuas lágrimas como um ribeiro,
Ó filha de Sião! De dia e de noite
Não te dês descanso”.*
_______________________________________
*Trecho bíblico
37 - CÁLICE TINTO DE SANGUE
O amor é uma uva,
O coração o lagar.
38 - AUGUSTINIANA
De posse
De um bisturi, Doutor,
Você retalha vidas
E examina-as.
Eu com um lápis
Sondo a própria alma.
Disseque-me, Doutor,
E verá:
Sou toda poesia.
Se algo restar
É puro parnasianismo,
Extirpai-o!
39 - ÓPERA DO CÓ-CORI-CÓ-CÓ
Um certo Pavarotti
Irrompe a madrugada
Com seu tom agudo
E peito estufado.
É o galo urbano
Cheio de nostalgia.
Anunciando,
Em desabalada
Carreira,
Um domingo plácido.
40 - FRAGMENTOS DE MULHER
Essa vizinha
Com seu tipo desleixado,
Sempre,
Perdoo e a compreendo.
Olhar inerte,
Face sulcada de sofrimento.
Exala um desagradável odor.
O descontentamento
Tem lhe tirado
O prazer de simplesmente ser.
41 - SUPERSTAR
A bela
Da noite
Chama-se
D’alva.
Brilha soberana
Num céu
Azulado
De solidão.
42 - SENTIMENTOS NA FÁBRICA
O escultor
Transforma a bruta pedra
Em uma estátua vênus.
O poeta descobre na dor
Ou no riso, uma rima
E define em devaneios o amor.
O músico clássico não ouvia
Os sons que o induzissem à inspiração,
No entanto compôs a nona sinfonia.
43 - DESESPERO
À querida Etanilda, homenagem póstuma
Chorei,
Esperneei
Por um reles habitante.
Aquietei-me
Quando ouvi Jesus dizer:
- E Eu, que chorei
Por uma cidade inteira?!
44 - FINITO, O QUE PARECE INFINITO
Encho os pulmões de ar
E expiro......................................................
Tento varrer-me por dentro.
Esse sol de sete e trinta horas
Energiza-me
Como se hoje fosse o dia “D”.
A rua estende-se à frente
Feito um tapete.
Pegada a pegada
Deixo para trás
A nostalgia da noite passada.
45 - QUINTANENSE
Fui uma menina
Por trás
Do buraco da fechadura.
Vi muito
E não decifrei coisa alguma.
46 - RIO PARDO
Poeta,
Quero o olhar desconhecido
Do homem que passa.
Quero o homem desconhecido
Dono do olhar
Que me passa.
Minha branca alma;
Contempla a negritude
Do rio na noite.
Multicores luminosas
Refletidas em sua retina,
Fascinam-me.
Ainda sonho com o amor
Desejado desde tenra infância.
O tipo que aquenta
A carência
E aquieta a solidão.
47 - REGRESSÃO
Ah! Tempo
Volta.
Volta tempo!
Permita-me
Corrigir
Aquele erro
Da imaturidade.
Apaga tempo!
Tempo, apaga...
Todo esse capítulo
De minha reles
E dolorosa
História.
48 - CASTIGO
Por que me visita
Com essas torturas,
Deus,
Tanto tempo depois
Que me leva a perguntar:
- O que foi que eu fiz?!
(Não sei o que eu fiz?! Eu que faço tanta coisa?)
“Não despreze a correção
Do Todo Poderoso. ”*
Sussurra-me a Palavra.
___________________________________________
*Trecho bíblico
49 - CONTO DA MENINA DE ENGENHO
Fui uma menina
De engenho.
(Segunda vez que empreendo esse poema).
Era uma infância sem graça.
Nem era filha
De senhor de engenho!
Engenho sem atrativo...
Sorte não ter escravos.
Tinha negros,
E muita cana
Que tornava a vida
Doce.
Todos eram alforriados
E liam Castro Alves.
Um dia,
Quase me afoguei
No riacho próximo.
Salvaram-me.
(Tinha, então, oito anos).
O mesmo branco
Esquisito,
Dez anos depois,
Esfregou os lábios dele
Nos meus,
Cobrando sua recompensa.
Não paguei,
Expulsei o tal feitor.
50 - COLMEIA AMOROSA DE UM DOCE AMOR
Queria
Que ele me dissesse
Que sou sua abelha rainha.
Em voo rasante
Mostrar-lhe-ia
Como adoro
Fazer parte de sua colmeia
Mas ele é tão zangão...
51 - INCOMPREENSÃO
O amor do poeta
É doloroso e variado,
Profundo e momentâneo.
Poucos amam tal qual ele.
52 - INATINGÍVEL
Quando penso no amor
Que não pude alcançar...
Vem em mim vontade de chorar.
- Esse amor tão sem direitos.
53 - INSPIRAÇÃO PARA UM SORRISO
Sei a beleza de cada dia,
Porém,
Não tenho n’alma
Lirismo para descrevê-la.
Na dor eu esbravejo,
Do sofrimento faço uma rima.
Quando dou por mim
Ondulo nas estrofes.
Descubro
Que na angústia
Posso tirar
O melhor dos sorrisos.
Embora, nos rabiscos,
Percebe-se a forçosa presença
De uma quase amargura.
Não me desculpo,
Todavia.
54 - DESASSOSSEGO
Quem me dera asas
Para juntos voarmos.
Sentir seu braço
Sem de mim desapartar.
Tivesse eu ainda suas amareladas cartas...
- rasguei-as todas! -,
Embora elas não falassem
Como o sussurro de sua fala.
Ah! Se a inspiração me desse uma rima...
Para eu fazer um soneto.
Dedicá-lo-ia a você
Naquele nosso último beijo.
55 - CANÇÃO NOTURNA DE UM POEMA CONFUSO
Tenho para você
“Vinte poemas de amor
E uma canção desesperada.”
Ou seriam
Vinte canções de amor
Em um pobre poema desesperado?
Sei lá!
Talvez vinte canções desesperadas
Em um simples poema calmo.
Já não sei mesmo.
A essência fala grego,
Nada traduzo.
A canção noturna
É silenciosa e cristalina
Na água salobra da face.
56 - VIDA DE POETA
E disse-me ela:
- Os poetas eram, na maioria,
Desgraçados, pobres,
E muitos morreram cedo.
Vitimados por uma incurável
Tuberculose.
Amiga, respondi-lhe,
Eles não foram poetas desgraçados.
Suas desgraças
É que os tornaram poetas.
Embora, também o deslumbre
Tenha desabrochado
Muita inspiração.
57 - CHUVAS DE VERÃO
Esconda-se sol!
Dá lugar
Às nuvens chorosas,
Para,
Sem pudor algum,
Derramarem seus prantos
Sobre minha terra seca.
58 - INSULAMENTO
Diga:
Trinta e três.
- Tudo isso?!
Confessar-lhe
Uma única vez
Dói tanto...
Estou doente
De solidão.
Daquelas
Que enfermam
As esperanças.
59 - NAUFRÁGIO DA ESPERANÇA
Minha vida tem sido
Um constante exílio.
Cá nessa terra
Tem palmeiras,
Onde também se ouve
O canto do sabiá.
Os daqui
São tão afinado
Quanto os de lá.
60 - ANSIEDADE
Quero um homem
Para amar.
Mas que venha
Com um desses amores
Imensuráveis.
De atos comedidos,
Porém.
Coerente, temente.
Que esse amor tenha para mim
Uma paixão em cada esquina
E de tão romântico
Me faça mais
Mil vezes menina.
61 - JOSÉ DO EGITO
Tostado de sol
Era aquele menino.
Cajado na mão
Tangendo ovinos.
Nos lábios um eterno sorriso
De esperança.
Dezessete anos de juventude
Vestidos pela amorosa
Túnica da contenda, presente especial
De Jacó, seu velho pai.
- Seus Irmãos lhe invejaram, José.
Um poeta
Era aquele sonhador.
No mundo do sol e da lua.
Vendido tal qual Jesus,
Não se intimidou:
Prova vencida,
Vitória garantida.
De escravo a mordomo, prosperou.
- Bela ascensão, José.
Sua pedra no caminho,
A mulher de Potifar,
Aos seus pés depositou
Seu trono e seu amor.
Você correu para não trair
Seu Senhor.
- Você foi forte, José.
Entretanto,
Nas mãos da mulher perversa
E vingativa,
A arrebatada veste deixou.
Prova da rejeição,
Prova da forjada sedução.
- E aí, José?
Dois anos de calabouço.
Já não sonha o poeta.
Sofre e decifra
Sonhos de outrem.
- Você não se abalou José.
Contudo,
O dia das vacas gordas chegou:
Ganha liberdade o prisioneiro
E torna-se governador.
- Bela fé, José.
Tinha, então, trinta anos.
Repletos de maturidade.
Agora vestidos
Numa túnica
De fino linho real.
Na orla do vestido,
Bordadas com fios de ouro,
Onze estrelas
Juntas com você
Simbolizavam as cintilantes
Tribos d’srael.
No dedo,
Um anel de honra!
“Doutoramento em sabedoria”,
Decretou Faraó.
Amado por Asenate,
Filha de Potífera,
Que devotava
Profunda admiração
Pelo homem de Deus,
Pelo administrador do Egito.
Verdade é
Que nunca deixou de sonhar esse poeta.
- Deus mudou-lhe a sorte, José.
62 - PERSEGUIÇÃO
Deus,
A morte, e o Diabo,
Não fazem acepção
De pessoas.
Deus: por muito amor.
A morte: por indiferença.
O Diabo: por maldade mesmo.
63 - PARÁFRASE
Existe muito mais
Entre a cabeça e os pés
De uma mulher,
Do que supõe a pressa
De alguns ignorantes.
64 - AMOR A TRÊS
A poesia
É a única fêmea
De minha vida
E não tem ciúme
Quando namoro
O poeta.
65 - INCONFORMIDADE
Passar pelo palco da vida
Em papel secundário
É insuportável.
Pior ainda é ser figurante.
Difícil e desejado é ser protagonista.
66 - CÓPIAS DE PRIMATAS
Algumas pessoas são uma réplica
Do homem que foram um dia.
Deus criou seres humanos maravilhosos,
Eles é que se tornaram
Primatas asquerosos.
***