1 - VOO DE ÁGUIA
1 - VOO DE ÁGUIA

1 - DESGOSTO

 

Incomoda-me tal presença.

Feito criança engatinho

Para braços de algum alvo

Supostamente protetor.

             Desprotegida infância!

Cadê a ternura do olhar, meu pai,

Enquanto eu brincava?

Para quem foram os gestos de cuidado

Que meus primeiros passos não conheceram?

             Caminhei sozinha, carregando o peso de minha existência.

Goteja o coração, nessa tão próxima velhice.

Sim. Passei a infância como adolescente,

Sem ser mãe criei filhos quando menina.

            Colo não havia quem me desse.

Descobri-me criança sendo mulher.

 

2 - LACUNA

 

Abro a porta.

O encanto

Do silêncio noturno

É quebrado pelo canto

Impertinente do grilo.

(Os grilos são os poetas mortos)*

Confidencia-me o poeta.

Poeta,

Esses menestréis do barulho

Não me tocam a alma,

Azucrinam-me os ouvidos.

Lua cheia me prateia.

Nuvens passam por ela

E fazem-na correr ligeiro.

Frio nos braços inquieta-me

Tanto quanto a clausura

Da solidão.

No horizonte queima-se um meteoro.

Faço pedido à estrela cadente

Que gargalha de minha decadência.

Já desceu tantas vezes...

Nunca quis subir

Para realizar meu desejo.

Fecho a porta.

___________________________________

*Mario Quintana

 

3 - ANTROPOFOBIA

 

Fantasmas medievais

Seguem meu calcanhar.

Um em especial.

Por pouco não o abati

No acaso de um tropeção.

Divertimo-nos

Como se nos conhecêssemos

De outra geração,

Embora não leve a sério

Tal enlevo.

Indefinível,

Indecifrável.

Efêmero!

Dentro da cabeça uma alegoria.

Só o íntimo

Guarda bem os confetes.

 

4 - IN VITRO

 

Pensei que fosse João

Ou tantos outros.

Deus tirou

Minhas gotas de amores

E as colocou em tubo

De ensaio.

Deixou comigo a dor.

Talvez saia de lá

Meu verdadeiro Adão.

 

5 - DOCES ÁGUAS

 

Ruas vazias.

A cidade nua

Entristece-me.

Eu vazio

Na cidade sua.

A mulher que

Desnuda passeia,

Impudica, enrubesce-me.

Debruçada na orla

Namoro a vida

Que no calçadão ribeirinho

Desfila.

As águas do Velho Chico

Banham almas

De vidas secas.

A Bíblia me cochicha:

“Porei um rio no seu deserto”.

 

6 - A ESMO

 

Nos dias péssimos penso:

Só alienados

Cruzam meu caminho.

E eu, idiota total

No caminho deles.

Sou mais um

Na multidão.

Na multidão

Amo apenas um.

Ele não toma conhecimento

A multidão não se comove,

Nem se interessa.

Assim vou eu, quase ilesa.

Rosto desolado no meio dela.

 

7 - NO ÉDEN

 

Um dia

Escondi de Deus

Minhas partes nuas.

Cobri recantos

Pudicos

Que expunham

Por entre os dedos

A fadada vergonha.

Quando ouvi Sua voz,

Fugi!

 

8 - TRAIÇOEIRO

                    A J.P.

E auscultava-me,

Seu clínico olhar

Decifrando meu avesso.

 

E sussurrava,

Palavra!

Eu gostava de ouvir.

 

E me cantava,

Não era canção

De ninar.

 

E me chamava princesa.

Ele tão plebeu,

Eu tão suburbana!

 

E me largou

De braços estendidos.

Ficou comigo um doído sorriso abobado

Que nunca entendi...

 

9 - MUTAÇÃO

 

Prosseguia,

Quase imaculada.

Quase.

Perdeu-se

Tateando rastros

De quasimodescos pecados.

Pasmavam-se todos

Que a viam.

A criança de outrora

Já não era

Que tagarelava aos ouvidos do mundo.

Transparecia uma mulher

Cheia de conflitos

Vomitados pela consternação

De sentimentos frustrados.

 

10 - DOCE CÁLICE

 

Que o tempo corresse.

Quisera.

Sequer passa!

A cota de tolerância,

Extravasada, angustia-me.

Vinho preferido

Derrama-se de sua boca.

Todavia,

Uma distância

De milhões de diferenças

Impede-me a absorção.

 

11 - INTRÍNSECO

 

Transito em meio

Aos muitos conceitos

Que regem a vida.

Apenas a Bíblia

É capaz de convencer

Meus passos.

O olhar não traduz

O que no fundo reluz:

Abandono

Das infindáveis perdas.

 

12 - HORIZONTE PERDIDO

 

Ah, olhos tristes.

Tristes olhos...

Olhos tristes de chorarem.

Nasceram especiais,

Anuviaram-se

Na nebulosidade da ignorância.

Minha própria ignorância!

Amar a África e sua gente,

Amar a Etiópia e seus famintos.

Amar a Deus e suas vontades.

Amar!

Assim, especial como um Mahatma.

O solitário no final do beco

Carrega um pirilampo

Nos lábios

E uma chaminé nos pulmões,

Tenta esconder-se de muitos olhos.

 

13 - IMAGEM

                  A J.P.

Os óculos

Conferem-lhe

Ar de intelecto.

Tão grande é sua miopia

Que não vê meu amor.

Eu miro a vitrine

Que veta os sonhos meus

Escondidos em suas meninas

Que bem podiam ser eu.

Bebendo cada lágrima sua.

 

14 - CHORO DE UMA FÊNIX ORIENTAL

 

A desamparada menina

Ao vento corria.

Não a corrida

Prazerosa da liberdade.

Era alvo em incubação.

No ódio selvagem das potências

O choque das ganâncias.

Chora, Hiro, a perda dos filhos teus.

Grita, Shima, para que

Possamos ouvir teus soluços

Que penosos afirmavam:

Renasceremos das cinzas.

 

15 - SEM POESIA

 

Saio.

Respiro o ar

De meu bairro poluído

Pela sonoridade,

Pela gentalha

Vulgar e inculta.

Inculpáveis.

No “jardim” vizinho

Três crianças catarrentas

Brincam de bola-de-gude

Na suja areia.

Que inconsciente infância

Miserável!

Retorno.

 

16 - DOR GÊMEA

                    À minha irmã Neide

O monstro sádico

Pisava-a

Como se quisesse

Moldá-la

À maneira sua.

Era em mim que doía.

A alma dorida

Mantinha-se inábil

Ante o amor incauto

E inconsequente

Que ela mantinha

Pelo abominável.

Pairava no ar

O anseio da trégua.

 

17 - GUERRA SATÂNICA

 

A santa e a prostituta

Guerreiam.

Militância do bem e do mal.

Crucificação da carne

Versus desejos

Que encarnam.

A noite presente.

Cúmplice testemunha ocular.

A lady noturna

Não aceita vencedores,

Na noite só há vencidos.

(Lá fora... ...Satanás seduz!).*

Beijo sua imaginária boca fria,

Ressurreto está o príncipe.

“Somos mais que vencedores!”

____________________________________________

* Florbela Espanca

 

18 - CICLO

 

Sublime poético Criador!

Prostrada embebedo-me

Na beleza de Sua criação.

A terra gira

Sobre um exótico

Eixo que a bolina.

A linha do Equador lhe reparte,

Dividida não se reconhece.

A lua desvirgina a noite

E mostra às claras

Toda sedução.

O rei-sol, carrasco, domina-a.

Toda vez que ele se esconde

As nuvens mudam de cor,

Conivente brincadeira de quase amor.

As estrelas cintilam,

Como as meninas de meus olhos

Na janela do mundo.

Em meio a esse esplendor

Sou andrajo de pensamentos indevidos.

Perdão, Senhor...

 

19 - QUEBRANTAMENTO

 

Batizarei essa noite

Como a noite das tristezas.

Tudo é perturbador.

Meu pensamento detém-se

Em uma desfigurada lembrança.

- Doeu-me o suicídio dela.

Pequei hoje,

Mandei mensagem

A muitos pares de olhos

Que nem me viram.

Sorte não ser obsceno.

Mas como era vulgar!

A vulgaridade

Cobre-me de asco.

(O amor! Quando virei por fim amá-lo?)*

Chora no ombro

A mágoa de meu dileto

Poeta.

_____________________________________________

*Augusto Dos Anjos

 

20 - VIÚVA NEGRA

 

Noite misteriosa,

Tenebrosa.

Acolhe-me em seu negro colo

Só para me ensinar.

Dou longas braçadas

Emaranhadas no véu

Ornado de estrelas.

Não aturo sua voz

Que me cobra.

Atitudes esquecidas,

Uma a uma

Procuro dar-lhe conta.

A noite é criança

Na concepção de adultos imaturos.

Sou recém-nascido

Encolhido num inexistente

Orifício

Que em vão tateio.

Lá fora um suposto perigo

Espreita-me.

 

21 - OS RETIRANTES DE PORTINARI

 

Cada rosto uma dor

E um sorriso,

Escancarado na boca

Desdentada.

Teimosia nordestina.

Esperança ainda não morta.

Os olhos invadem alimentos

Inalcançáveis,

Ambicionados

Por uma fome etíope.

Talvez africana.

De passadas em passadas largas

O chão amado fica para trás

À medida que avança

Na longa estrada dos sonhos.

Seu filho sacode

A perna da surrada calça.

Ele contempla,

E decifra,

Aqueles pequenos olhos.

 

- Para onde, papai?

 

22 - AUSENTE AUTOESTIMA

 

No caos extremo

De uma solidão profunda

Surpreende-me o horror:

A solidão se veste de negro

E tem cara de caveira.

Ninguém me ouve,

Exceto plebeus

Com pose de filósofos.

Agradeço por emprestarem

Ouvidos à minha boca

Que reclama e mendiga

A impressão

De certos lábios...

Lábios que não encontrarão os meus.

 

23 - DELÍRIOS

 

Preciso de um travesseiro

Recheado de “verdinhas”,

Onde possa reclinar

Minha cefaleia.

E dormir. E cantar. E sonhar.

- Não necessariamente nessa ordem.

Tragam-me Dr. Freud,

Para ouvir meus loucos devaneios,

Seu divã suportará tal missão.

Depois chamem o Dr. Pitanguy,

Só ele tirará a marca do travesseiro

Do tempo.

Pensando bem... Chamem Jesus.

Pensando bem... Deixe que eu mesmo o chamo.

Jesus porá em ordem tal caos.

 

24 - ÓBVIO

 

Rasguei o coração

Ao tentar conter sentimentos

Que o peito denunciava.

Palpitações descompassadas,

Maré nos olhos.

(Olhos de ressaca)*

A distância é ponto marcante

Revelada na saudade

Dos tão poucos meus.

Sou andarilho

Em estradas sinuosas.

Muitos me apontam

O dedo inquiridor

Na indiscrição

De quem quer saber

O porquê de minhas dores.

_______________________________________

*Machado de Assis

 

25 - O CHORO DE UMA NUVEM

 

Sinfonia de gotas espargidas

No velho teto

Embala-me.

Esqueci a fome,

Aqueci a solidão.

Embarquei no veleiro dos sonhos.

“Relax” que me enlevou

Na frialdade da noite.

A madrugada chegou,

Dessa vez sem que a visse.

Insônia domada,

Indescritíveis "dós"

Doparam-me.

 

26 - ROMPIMENTO À CLARIDADE DO DIA

 

Na clara manhã

Serei apenas eu.

Não mais a própria figura

Do amor. Lamento.

O espelho nada deve cobrar-me:

Somos imagem e semelhança.

Em opostos

Culturais,

Sociais

E religiosos,

Há colisões,

Mil fragmentos

Corporais

E cardiopatia “letal”.

Que comunhão tem a luz com as trevas?”*

__________________________________________

* Trecho bíblico

 

27 - PODER DIVINO

 

A ciência

É uma mocinha

Tola e tagarela.

Sempre tentando

Explicar o inexplicável.

É demasiada

Racional e materialista.

Da fé

Que explica o inexplicável

Não dispõe.

Tão pouco a compreende.

 

28 - EDIFICAÇÃO

 

Ah! Desaparecesse

De seu caminho,

Ora não santo,

Tanto anjo impuro.

E pudesse ele trazer,

Na bagagem de andarilho errante,

Todas àquelas palavras de Deus.

 

29 - SEM NEXO

 

Olhos azuis

Sempre me fuzilam.

Hei de casar-me

Com um psicanalista,

Que me mostrará

O verdadeiro             

Retrato da vida

Onde poso de gente.

Farei análise gratuita

Por uns dez anos...

Ou até que dure

Nosso acasalamento.

 

30 - NAZARENO, MEU REI

 

Buscou amigos

Numa tão insuportável hora.

Dormitavam.

Admitiu-se solitário.

Angústia,

Prenúncio de maldição

No madeiro.

Chorou sobre o monte

Ao avistar a amada cidade

Que o rejeitava.

Seu cruel inimigo

Entregou-o

Aos que se supunham

Donos da verdade.

Esbofetearam-no. Cuspiram sua face.

Martelaram-no violentamente!

Cúmulo de uma cicatriz n’alma.

Contorcia-se o madeiro

Sob o peso santo.

Eu posso lhe ver,

Erigido numa arrogante cruz,

Julgado por verdades confusas

E falsas convicções.

 

31 - VOO DE ÁGUIA

 

Águias de voos rasantes,

Pouso em ninhos ariscos.

Não sabem por que ficam

Ou não partem. Circunstâncias.

Embaralhadas confundem-se

Entre a pureza do sensitivo,

Que tanto de si entregam

E a emoção que se jura verdadeira.

Porém,

Sabem elas:

Devastadoramente efêmeras.

 

32 - MADALENA

 

Judia.

Marcada.

Exilada em plagas distantes.

Judiada no amor de corpos

Estranhos.

Proibidos.

Judas de beijos ardentes.

Promessas juradas,

Jamais cumpridas.

Obstinada conquista

De trinta moedas.

Contra cem de solidão:

Vendida.

 

33 - SEM RUMO

 

Não sei como fazer

Não sei aonde ir.

Não sei como calar.

Não sei como sorrir.

        Fiz o que não quis.

        Fui onde não podia.

        Falei o que não queria.

        Chorei,

Por que mais duro era fingir.

Desçam as tuas lágrimas ó filha de Sião”.*

______________________________________________

* Trecho bíblico

 

34 - MENDICÂNCIA

 

Jogou o peito

Na cara do mundo.

Esperava receber o abraço

Da realização

Que a vida tem reservado

Para os exclusivistas seus.

Abandonou a vida,

Caiu na praça.

Nada de regras, nenhum abraço.

Recebe o beijo das flores.

Da madrugada o gélido amparo.

Espreguiça-se de estômago vazio

Sentindo o caricato sorriso da vida.

 

Abandonou a praça,

Caiu na vida fácil,

Segui na vida à toa.

Chega de lero!

 

35 - ELEGIA, MINHA AMIGA

 

Lua que outrora foi centelha de um enlace

Espalha agora rutilância em tua lousa.

Necrópole em total silêncio quebrado

Insistentemente pelo gemido do vento no

Rumo desconhecido que te levou aquele                                                  desgraçado amor.

Péssimo dia. Suicídio de uma amiga, por causa de um falso amor, abril de 1989.

 

36 - SEMENTES DA NOITE

 

Queria chorar.

Doía-me na vergonha.

Quantos sóis já se puseram?

Trezentos e sessenta e cinco

Milhões de dias

E esse sentimento latente,

Tentando dizer-se.

 

37 - A MORTA-VIVA

 

Corpo inerte.

Pálido.

A morte roubou dele

O espírito

E levou consigo

Por algum tempo,

Vidas.

No momento o desespero

- Com o tempo só a lembrança -.

Ela debruçou-se sobre o ataúde,

Com suas mãos meigas e quentes

Toca-lhe a face fria e querida,

Implorou-lhe um sinal.

O corpo não responde.

Ainda assim beija-lhe a boca.

Tentativa de emanação de vida.

 

38 - COBIÇA

 

Escondia-se

Dentro dos próprios olhos

Com seu intento

Desejoso e vulgar.

Enquanto sua boca,

Num sussurro inaudível,

Desfilava um rosário

De poesia piegas.

Eu prosseguia,

Indiferente,

Fingida! 

Disfarçava a carência

Que me sacudia os ossos

E triturava-me a alma.

 

39 - CONTRIÇÃO

 

Atrevo a dirigir-me a Vós,

Eu que sou pó e cinza”.*

Perdão, Senhor,

Essas palavras nem são minhas.

Corro para fugir à infância

Mal vivida.

Meu pai, vulcão bruto,

Incendiava-me

Cada vez que soltava lava pelo nariz.

Eu o obedecia

Com mais pavor que respeito.

Minha mãe,

Rebelada e passiva,

Protegia-me,

Como quando

Depois que meu pai fez a barba,

Raspei metade de meu supercílio.

Recolho meus joelhos à boca,

Beijo-os muitas vezes.

Que ausência uterina!

O mundo aqui fora

É amofinado.

________________________________________

* Trecho bíblico

 

40 - MUSICALIDADE

 

Aninha-se em meu íntimo,

Silencia a rua

E refresca a mágoa.

Melodia que invade

Meus ouvidos,

Registra-se em minha mente

E dorme em meu coração,

Ao tempo em que acorda

Velhos hóspedes.

 

41 - CORPO CELESTE

 

Está apagada,

Momentaneamente,

A estrela desenhada

Pelas mãos da principiante

Que rabisca com insistência

Seu profético brilho futuro.

 

42 - PARÁFRASE

 

A vida atropelou minha mãe,

Do susto eu nasci.

Aí um anjo - do conforto de sua sombra -,

Disse-me:

- Vai, gauche, ser Carlos na vida.

 

43 - LENITIVO

 

A paixão

É um sentimento pático.

Os que se deixam escravizar

São loucos.

Os que apenas conhecem

O seu fogo,

São apoquentados.

E os que nunca se apaixonaram

São uns lerdos!

 

44 - FUGA

 

Essa noite triste,

Essa casa vazia,

Esse coração sozinho...

Eu tão fantasma!

Ainda assim, cismo que existo.

Dormir o desejado

Sono dos insones,

Acordar mil anos depois,

Imune ao Juízo Final.

Como se fosse possível!

 

45 - ILUSIONISTA

 

Fixo minha visão

Em um monstro quadrado

De um só Olho,

Que expõe em sua retina

Todo o mundo. Considero-me informada.

Não sou mais que sua prisioneira alienada.

 

46 - TREVAS

 

A lua pudica.

Esconde dos amantes explícitos

Sua pura e brilhante face.

 

47 - PASSADO

 

Caminhávamos passo a passo

No compasso de um “sim”.

Num desatino eu disse: Não!

 

Senti profundamente a falta do “sim”;

Esse, sim, seria destinado!

 

Fomos uma paralela sem ponto de encontro,

Um dia nossos ângulos esbarraram-se,

Dividimo-nos não seria tão fácil assim.

 

A de ontem não é hoje.

Houvesse concessão,

Talvez tivesse dado certo sim.

 

48 - ANTAGONISMO

 

Considero desprezível,

Escarafunchar minha

Árvore genealógica

A procura de parentes

Endinheirados

Para serem apresentados

Como referencial.

 

49 - CORDA BAMBA

 

O coração dá voltas

Na esperança morta

De uma perspectiva acabada.

A arte que lateja no peito

             Está fora da cabeça.

Daí a não compreensão

Do sentido. A boca não cala

O que no peito saltita.

Ao externar o grito

             Quebram-se fracos cristais,

Não dados à verdade que intimida.

Os reverenciados não choram,

              Jamais gritam!

 

50 - RÉU CONFESSO

 

Ela era assim... Desvairada...

Sempre fugia de mim.

Eu? Era seu capacho, sim!

 

Aconteceu. O incomum nos uniu.

Quando nossos pontos se compatibilizaram

O rompimento foi inevitável.

 

51 - CHAMAS II

 

Cor estranha,

As nuvens no fim da tarde.

Deus pôs nelas

Um fogaréu que as ilumina.

 

52 - QUANDO A CHUVA PASSAR

 

Sei todos os erros,

Miro no espelho imagem distorcida.

Difícil desvencilho.

Canto o amor que não tive.

Águas claras, cristalinas.

Canto amargoso,

Sabor de salina.

 

Por que vagueia em mim

Essa desprotegida menina,

Que a mulher obsessiva

Esgota-a?

 

53 - VIDA MINHA

 

Escreverei com caneta alemã.

Presenciou a grande unificação,

Segundo a mentira de um amigo.

 

Odeio as ilusões!

Porem, só elas exibem-me

Um largo sorriso.

 

Errei tanto.

Disso não resultou

Experiência alguma.

 

Reduziram-me a pó.

Ainda pisam, querem a certeza

De suas marcas.

 

Cheguei aos “enta”!

Não passeei pela vida,

Ela me arrastou.

 

Cadê meu filho

E o homem dos meus amores?

Continuam incubados.

 

Estou de quatro! Exponho minhas mãos

Cheias de chagas. Isso lhe comove,

Mas as Suas me esmagam.

 

54 - ARBITRARIEDADE DA EMOÇÃO

 

Meu coração escravo,

Hoje, apanhou.

Mais do que em cem anos

De senzala.

 

55 - DÓ MAIOR

 

Mãos de quem toca piano,

Tocam-me.

Piano que chora,

Agredido pelas mãos

Daquele que exala

Emoções nas palmas.

 

Eu não canto

Se você cala

O som do piano

Das mãos que me embalam.

 

56 - FILHO MEU

 

Contemplo o meu inconcebível filho

Envolto em um manto de fantasia

Que o livra do legado pobre

De meus ancestrais.

 

57 - EXPECTAÇÃO

 

Ah!

Fosse você,

Que os meus olhos encontram,

Depois de vaguearem

Por becos solitários.

Tentativa de avizinhar-se.

Escapo.

Desapontamento mútuo.

 

Fosse você,

Nas pisadas silenciosas

Que ouço às minhas costas...

Nas mãos que delicadamente

Tapam-me as vistas

E imploram uma predição...

A entonação não esconde

Um descontentamento

Quando digo:

- Ah, é você...?

 

58 - BENEDITA DO AGRESTE

 

Sou daqui não,

Seu moço,

Nem vim para ficar!

Porém a vida teima em me deixar.

 

Por trás desta pele preta,

Seu moço,

Tinha uma branca alma.

Mas o sol da vida insistiu levar.

 

Um dia,

Seu moço,

Vou-me desse lugar.

Deixo para trás o sol,

A vida levo para amar.

 

Nessas eternas buscas,

Seu moço,

Não se vão nossos valores.

Talvez encontre um Pedro... Um Raimundo...

E a vida não mais traga tantos desgostos.

 

59 - MELANCOLIA

 

Saudade do inconquistável.

Dor que apodera o coração,

Sufoca o espírito

E tritura a alma.

 

Aquelas ruas não eram minhas.

Um dia pertenceram-me tanto.

Noites que não dormi

Vigiando-o nas madrugadas, sozinha.

 

Como se conta uma única vez?

Conta-se nas lembranças

Que a torna repetitiva.

 

Torturados nos desmanchamos

Como se fôssemos

Pura água salobra.

 

60 - PELO AVESSO

 

Essa coisa... Que lhe tira o sossego...

Que a deixa sem sono,

Cheia de chamego.

 

Chega sem rodeio. Troca o cheiro. Não opina.

A noite, apenas uma gota de Chanel

número cinco.

Pelo dia é pura água fresca.

 

Vai de bonde.

Mas sente-se uma rainha

De limusine,

Que traz aos pés Luiz XV.

 

Nariz empinado, cabelo domado.

Com um jeito só dela,

De quem não dá trela:

- Cai fora, Nego!

 

61 - ANIQUILAMENTO

 

A mente registra odiosas cenas

E tenta retê-las.

Os olhos contemplam

E expressam furor impotente.

 

A boca, essa profere doidices.

Quando não se realiza

Tem desejos inconvenientes.

 

Os pés não andam, oscilam.

O corpo débil chora ao lutar,

Mas o opressor não lhe põe fim.

 

62 - ROMANCE BÍBLICO

 

Lia ofertou a Raquel

Algumas mandrágoras,

Em troca de uma noite de amor

Com Jacó, seu também esposo.

 

Ana chorou amargamente

Sua dolorosa esterilidade,

Ao que Elcana argumentou:

Não lhe sou eu melhor que dez filhos?

 

Rebeca, uma montanhesa,

Seguiu rumo ao desconhecido.

Isaque quando a viu

Logo amou a mãe de seus milhares.

 

Coloquei minha melhor roupa de domingo

(Um vestido de chita bem lavado),*

Perfumei-me com o cheiro das ocasiões especiais.

Fui ao encontro daquele que Deus me dera.

 

________________________________________

* Florbela Espanca

 

63 - PRODUTOS DE UMA IRA

 

Fui ao País dos loucos.

Vi seres acorrentados,

Que me deprimiram,

Que me aterrorizaram.

 

Fui ao Estado dos degenerados.

Estavam trancafiados

Como monstros enjaulados,

Presos pelas grades que lhes aplacavam a ira.

 

Fui à Cidade dos isolados,

Homens agonizavam!

Os bichinhos comiam o “bicho”

Pondo fim à figura maléfica.

 

64 - LONGO MINUTO DE LOUCURA NA LUCIDEZ DE LAURA

 

Desceu por degraus

De uma escada sem fim,

Para no vazio do seu EU

Mergulhar.

Lá havia setas indicando-lhe caminhos.

Os quais se negava percorrê-los.

A depressão acolhendo-a.

Induzindo-lhe à loucura

Tais quais suas companheiras.

A angústia invadiu lhe a alma!

Chorou.

Lágrimas aqueceram-na

E Laura “voltou”.

 

65 - DISPERSÃO

 

Foram tantos erros,

Para poucos acertos!

Foram tantas ilusões,

Para poucas paixões!

Foram tantos amantes,

Para poucos amores!

Foram tantos desejos,

Para poucos ensejos!

Foram tantos dissabores,

Para poucas alegrias!

Foram tantos dias,

Para poucas horas!

Foram-se

Tanta gente...

 

66 - GRIS

 

Quatro paredes,

O teto, o piso.

Eu ao meio.

Não levito,

Esmago o piso.

O teto me esmaga.

Abro uma imensa fresta

Por onde avisto um arco-íris,

Pintado pelas cores da minha vida:

Preto e cinza.

Cinza-preto.

 

 

 

 

                                                           ***