1 - DESGOSTO
Incomoda-me tal presença.
Feito criança engatinho
Para braços de algum alvo
Supostamente protetor.
Desprotegida infância!
Cadê a ternura do olhar, meu pai,
Enquanto eu brincava?
Para quem foram os gestos de cuidado
Que meus primeiros passos não conheceram?
Caminhei sozinha, carregando o peso de minha existência.
Goteja o coração, nessa tão próxima velhice.
Sim. Passei a infância como adolescente,
Sem ser mãe criei filhos quando menina.
Colo não havia quem me desse.
Descobri-me criança sendo mulher.
2 - LACUNA
Abro a porta.
O encanto
Do silêncio noturno
É quebrado pelo canto
Impertinente do grilo.
(Os grilos são os poetas mortos)*
Confidencia-me o poeta.
Poeta,
Esses menestréis do barulho
Não me tocam a alma,
Azucrinam-me os ouvidos.
Lua cheia me prateia.
Nuvens passam por ela
E fazem-na correr ligeiro.
Frio nos braços inquieta-me
Tanto quanto a clausura
Da solidão.
No horizonte queima-se um meteoro.
Faço pedido à estrela cadente
Que gargalha de minha decadência.
Já desceu tantas vezes...
Nunca quis subir
Para realizar meu desejo.
Fecho a porta.
___________________________________
*Mario Quintana
3 - ANTROPOFOBIA
Fantasmas medievais
Seguem meu calcanhar.
Um em especial.
Por pouco não o abati
No acaso de um tropeção.
Divertimo-nos
Como se nos conhecêssemos
De outra geração,
Embora não leve a sério
Tal enlevo.
Indefinível,
Indecifrável.
Efêmero!
Dentro da cabeça uma alegoria.
Só o íntimo
Guarda bem os confetes.
4 - IN VITRO
Pensei que fosse João
Ou tantos outros.
Deus tirou
Minhas gotas de amores
E as colocou em tubo
De ensaio.
Deixou comigo a dor.
Talvez saia de lá
Meu verdadeiro Adão.
5 - DOCES ÁGUAS
Ruas vazias.
A cidade nua
Entristece-me.
Eu vazio
Na cidade sua.
A mulher que
Desnuda passeia,
Impudica, enrubesce-me.
Debruçada na orla
Namoro a vida
Que no calçadão ribeirinho
Desfila.
As águas do Velho Chico
Banham almas
De vidas secas.
A Bíblia me cochicha:
“Porei um rio no seu deserto”.
6 - A ESMO
Nos dias péssimos penso:
Só alienados
Cruzam meu caminho.
E eu, idiota total
No caminho deles.
Sou mais um
Na multidão.
Na multidão
Amo apenas um.
Ele não toma conhecimento
A multidão não se comove,
Nem se interessa.
Assim vou eu, quase ilesa.
Rosto desolado no meio dela.
7 - NO ÉDEN
Um dia
Escondi de Deus
Minhas partes nuas.
Cobri recantos
Pudicos
Que expunham
Por entre os dedos
A fadada vergonha.
Quando ouvi Sua voz,
Fugi!
8 - TRAIÇOEIRO
A J.P.
E auscultava-me,
Seu clínico olhar
Decifrando meu avesso.
E sussurrava,
Palavra!
Eu gostava de ouvir.
E me cantava,
Não era canção
De ninar.
E me chamava princesa.
Ele tão plebeu,
Eu tão suburbana!
E me largou
De braços estendidos.
Ficou comigo um doído sorriso abobado
Que nunca entendi...
9 - MUTAÇÃO
Prosseguia,
Quase imaculada.
Quase.
Perdeu-se
Tateando rastros
De quasimodescos pecados.
Pasmavam-se todos
Que a viam.
A criança de outrora
Já não era
Que tagarelava aos ouvidos do mundo.
Transparecia uma mulher
Cheia de conflitos
Vomitados pela consternação
De sentimentos frustrados.
10 - DOCE CÁLICE
Que o tempo corresse.
Quisera.
Sequer passa!
A cota de tolerância,
Extravasada, angustia-me.
Vinho preferido
Derrama-se de sua boca.
Todavia,
Uma distância
De milhões de diferenças
Impede-me a absorção.
11 - INTRÍNSECO
Transito em meio
Aos muitos conceitos
Que regem a vida.
Apenas a Bíblia
É capaz de convencer
Meus passos.
O olhar não traduz
O que no fundo reluz:
Abandono
Das infindáveis perdas.
12 - HORIZONTE PERDIDO
Ah, olhos tristes.
Tristes olhos...
Olhos tristes de chorarem.
Nasceram especiais,
Anuviaram-se
Na nebulosidade da ignorância.
Minha própria ignorância!
Amar a África e sua gente,
Amar a Etiópia e seus famintos.
Amar a Deus e suas vontades.
Amar!
Assim, especial como um Mahatma.
O solitário no final do beco
Carrega um pirilampo
Nos lábios
E uma chaminé nos pulmões,
Tenta esconder-se de muitos olhos.
13 - IMAGEM
A J.P.
Os óculos
Conferem-lhe
Ar de intelecto.
Tão grande é sua miopia
Que não vê meu amor.
Eu miro a vitrine
Que veta os sonhos meus
Escondidos em suas meninas
Que bem podiam ser eu.
Bebendo cada lágrima sua.
14 - CHORO DE UMA FÊNIX ORIENTAL
A desamparada menina
Ao vento corria.
Não a corrida
Prazerosa da liberdade.
Era alvo em incubação.
No ódio selvagem das potências
O choque das ganâncias.
Chora, Hiro, a perda dos filhos teus.
Grita, Shima, para que
Possamos ouvir teus soluços
Que penosos afirmavam:
Renasceremos das cinzas.
15 - SEM POESIA
Saio.
Respiro o ar
De meu bairro poluído
Pela sonoridade,
Pela gentalha
Vulgar e inculta.
Inculpáveis.
No “jardim” vizinho
Três crianças catarrentas
Brincam de bola-de-gude
Na suja areia.
Que inconsciente infância
Miserável!
Retorno.
16 - DOR GÊMEA
À minha irmã Neide
O monstro sádico
Pisava-a
Como se quisesse
Moldá-la
À maneira sua.
Era em mim que doía.
A alma dorida
Mantinha-se inábil
Ante o amor incauto
E inconsequente
Que ela mantinha
Pelo abominável.
Pairava no ar
O anseio da trégua.
17 - GUERRA SATÂNICA
A santa e a prostituta
Guerreiam.
Militância do bem e do mal.
Crucificação da carne
Versus desejos
Que encarnam.
A noite presente.
Cúmplice testemunha ocular.
A lady noturna
Não aceita vencedores,
Na noite só há vencidos.
(Lá fora... ...Satanás seduz!).*
Beijo sua imaginária boca fria,
Ressurreto está o príncipe.
“Somos mais que vencedores!”
____________________________________________
* Florbela Espanca
18 - CICLO
Sublime poético Criador!
Prostrada embebedo-me
Na beleza de Sua criação.
A terra gira
Sobre um exótico
Eixo que a bolina.
A linha do Equador lhe reparte,
Dividida não se reconhece.
A lua desvirgina a noite
E mostra às claras
Toda sedução.
O rei-sol, carrasco, domina-a.
Toda vez que ele se esconde
As nuvens mudam de cor,
Conivente brincadeira de quase amor.
As estrelas cintilam,
Como as meninas de meus olhos
Na janela do mundo.
Em meio a esse esplendor
Sou andrajo de pensamentos indevidos.
Perdão, Senhor...
19 - QUEBRANTAMENTO
Batizarei essa noite
Como a noite das tristezas.
Tudo é perturbador.
Meu pensamento detém-se
Em uma desfigurada lembrança.
- Doeu-me o suicídio dela.
Pequei hoje,
Mandei mensagem
A muitos pares de olhos
Que nem me viram.
Sorte não ser obsceno.
Mas como era vulgar!
A vulgaridade
Cobre-me de asco.
(O amor! Quando virei por fim amá-lo?)*
Chora no ombro
A mágoa de meu dileto
Poeta.
_____________________________________________
*Augusto Dos Anjos
20 - VIÚVA NEGRA
Noite misteriosa,
Tenebrosa.
Acolhe-me em seu negro colo
Só para me ensinar.
Dou longas braçadas
Emaranhadas no véu
Ornado de estrelas.
Não aturo sua voz
Que me cobra.
Atitudes esquecidas,
Uma a uma
Procuro dar-lhe conta.
A noite é criança
Na concepção de adultos imaturos.
Sou recém-nascido
Encolhido num inexistente
Orifício
Que em vão tateio.
Lá fora um suposto perigo
Espreita-me.
21 - OS RETIRANTES DE PORTINARI
Cada rosto uma dor
E um sorriso,
Escancarado na boca
Desdentada.
Teimosia nordestina.
Esperança ainda não morta.
Os olhos invadem alimentos
Inalcançáveis,
Ambicionados
Por uma fome etíope.
Talvez africana.
De passadas em passadas largas
O chão amado fica para trás
À medida que avança
Na longa estrada dos sonhos.
Seu filho sacode
A perna da surrada calça.
Ele contempla,
E decifra,
Aqueles pequenos olhos.
- Para onde, papai?
22 - AUSENTE AUTOESTIMA
No caos extremo
De uma solidão profunda
Surpreende-me o horror:
A solidão se veste de negro
E tem cara de caveira.
Ninguém me ouve,
Exceto plebeus
Com pose de filósofos.
Agradeço por emprestarem
Ouvidos à minha boca
Que reclama e mendiga
A impressão
De certos lábios...
Lábios que não encontrarão os meus.
23 - DELÍRIOS
Preciso de um travesseiro
Recheado de “verdinhas”,
Onde possa reclinar
Minha cefaleia.
E dormir. E cantar. E sonhar.
- Não necessariamente nessa ordem.
Tragam-me Dr. Freud,
Para ouvir meus loucos devaneios,
Seu divã suportará tal missão.
Depois chamem o Dr. Pitanguy,
Só ele tirará a marca do travesseiro
Do tempo.
Pensando bem... Chamem Jesus.
Pensando bem... Deixe que eu mesmo o chamo.
Jesus porá em ordem tal caos.
24 - ÓBVIO
Rasguei o coração
Ao tentar conter sentimentos
Que o peito denunciava.
Palpitações descompassadas,
Maré nos olhos.
(Olhos de ressaca)*
A distância é ponto marcante
Revelada na saudade
Dos tão poucos meus.
Sou andarilho
Em estradas sinuosas.
Muitos me apontam
O dedo inquiridor
Na indiscrição
De quem quer saber
O porquê de minhas dores.
_______________________________________
*Machado de Assis
25 - O CHORO DE UMA NUVEM
Sinfonia de gotas espargidas
No velho teto
Embala-me.
Esqueci a fome,
Aqueci a solidão.
Embarquei no veleiro dos sonhos.
“Relax” que me enlevou
Na frialdade da noite.
A madrugada chegou,
Dessa vez sem que a visse.
Insônia domada,
Indescritíveis "dós"
Doparam-me.
26 - ROMPIMENTO À CLARIDADE DO DIA
Na clara manhã
Serei apenas eu.
Não mais a própria figura
Do amor. Lamento.
O espelho nada deve cobrar-me:
Somos imagem e semelhança.
Em opostos
Culturais,
Sociais
E religiosos,
Há colisões,
Mil fragmentos
Corporais
E cardiopatia “letal”.
“Que comunhão tem a luz com as trevas?”*
__________________________________________
* Trecho bíblico
27 - PODER DIVINO
A ciência
É uma mocinha
Tola e tagarela.
Sempre tentando
Explicar o inexplicável.
É demasiada
Racional e materialista.
Da fé
Que explica o inexplicável
Não dispõe.
Tão pouco a compreende.
28 - EDIFICAÇÃO
Ah! Desaparecesse
De seu caminho,
Ora não santo,
Tanto anjo impuro.
E pudesse ele trazer,
Na bagagem de andarilho errante,
Todas àquelas palavras de Deus.
29 - SEM NEXO
Olhos azuis
Sempre me fuzilam.
Hei de casar-me
Com um psicanalista,
Que me mostrará
O verdadeiro
Retrato da vida
Onde poso de gente.
Farei análise gratuita
Por uns dez anos...
Ou até que dure
Nosso acasalamento.
30 - NAZARENO, MEU REI
Buscou amigos
Numa tão insuportável hora.
Dormitavam.
Admitiu-se solitário.
Angústia,
Prenúncio de maldição
No madeiro.
Chorou sobre o monte
Ao avistar a amada cidade
Que o rejeitava.
Seu cruel inimigo
Entregou-o
Aos que se supunham
Donos da verdade.
Esbofetearam-no. Cuspiram sua face.
Martelaram-no violentamente!
Cúmulo de uma cicatriz n’alma.
Contorcia-se o madeiro
Sob o peso santo.
Eu posso lhe ver,
Erigido numa arrogante cruz,
Julgado por verdades confusas
E falsas convicções.
31 - VOO DE ÁGUIA
Águias de voos rasantes,
Pouso em ninhos ariscos.
Não sabem por que ficam
Ou não partem. Circunstâncias.
Embaralhadas confundem-se
Entre a pureza do sensitivo,
Que tanto de si entregam
E a emoção que se jura verdadeira.
Porém,
Sabem elas:
Devastadoramente efêmeras.
32 - MADALENA
Judia.
Marcada.
Exilada em plagas distantes.
Judiada no amor de corpos
Estranhos.
Proibidos.
Judas de beijos ardentes.
Promessas juradas,
Jamais cumpridas.
Obstinada conquista
De trinta moedas.
Contra cem de solidão:
Vendida.
33 - SEM RUMO
Não sei como fazer
Não sei aonde ir.
Não sei como calar.
Não sei como sorrir.
Fiz o que não quis.
Fui onde não podia.
Falei o que não queria.
Chorei,
Por que mais duro era fingir.
“Desçam as tuas lágrimas ó filha de Sião”.*
______________________________________________
* Trecho bíblico
34 - MENDICÂNCIA
Jogou o peito
Na cara do mundo.
Esperava receber o abraço
Da realização
Que a vida tem reservado
Para os exclusivistas seus.
Abandonou a vida,
Caiu na praça.
Nada de regras, nenhum abraço.
Recebe o beijo das flores.
Da madrugada o gélido amparo.
Espreguiça-se de estômago vazio
Sentindo o caricato sorriso da vida.
Abandonou a praça,
Caiu na vida fácil,
Segui na vida à toa.
Chega de lero!
35 - ELEGIA, MINHA AMIGA
Lua que outrora foi centelha de um enlace
Espalha agora rutilância em tua lousa.
Necrópole em total silêncio quebrado
Insistentemente pelo gemido do vento no
Rumo desconhecido que te levou aquele desgraçado amor.
Péssimo dia. Suicídio de uma amiga, por causa de um falso amor, abril de 1989.
36 - SEMENTES DA NOITE
Queria chorar.
Doía-me na vergonha.
Quantos sóis já se puseram?
Trezentos e sessenta e cinco
Milhões de dias
E esse sentimento latente,
Tentando dizer-se.
37 - A MORTA-VIVA
Corpo inerte.
Pálido.
A morte roubou dele
O espírito
E levou consigo
Por algum tempo,
Vidas.
No momento o desespero
- Com o tempo só a lembrança -.
Ela debruçou-se sobre o ataúde,
Com suas mãos meigas e quentes
Toca-lhe a face fria e querida,
Implorou-lhe um sinal.
O corpo não responde.
Ainda assim beija-lhe a boca.
Tentativa de emanação de vida.
38 - COBIÇA
Escondia-se
Dentro dos próprios olhos
Com seu intento
Desejoso e vulgar.
Enquanto sua boca,
Num sussurro inaudível,
Desfilava um rosário
De poesia piegas.
Eu prosseguia,
Indiferente,
Fingida!
Disfarçava a carência
Que me sacudia os ossos
E triturava-me a alma.
39 - CONTRIÇÃO
“Atrevo a dirigir-me a Vós,
Eu que sou pó e cinza”.*
Perdão, Senhor,
Essas palavras nem são minhas.
Corro para fugir à infância
Mal vivida.
Meu pai, vulcão bruto,
Incendiava-me
Cada vez que soltava lava pelo nariz.
Eu o obedecia
Com mais pavor que respeito.
Minha mãe,
Rebelada e passiva,
Protegia-me,
Como quando
Depois que meu pai fez a barba,
Raspei metade de meu supercílio.
Recolho meus joelhos à boca,
Beijo-os muitas vezes.
Que ausência uterina!
O mundo aqui fora
É amofinado.
________________________________________
* Trecho bíblico
40 - MUSICALIDADE
Aninha-se em meu íntimo,
Silencia a rua
E refresca a mágoa.
Melodia que invade
Meus ouvidos,
Registra-se em minha mente
E dorme em meu coração,
Ao tempo em que acorda
Velhos hóspedes.
41 - CORPO CELESTE
Está apagada,
Momentaneamente,
A estrela desenhada
Pelas mãos da principiante
Que rabisca com insistência
Seu profético brilho futuro.
42 - PARÁFRASE
A vida atropelou minha mãe,
Do susto eu nasci.
Aí um anjo - do conforto de sua sombra -,
Disse-me:
- Vai, gauche, ser Carlos na vida.
43 - LENITIVO
A paixão
É um sentimento pático.
Os que se deixam escravizar
São loucos.
Os que apenas conhecem
O seu fogo,
São apoquentados.
E os que nunca se apaixonaram
São uns lerdos!
44 - FUGA
Essa noite triste,
Essa casa vazia,
Esse coração sozinho...
Eu tão fantasma!
Ainda assim, cismo que existo.
Dormir o desejado
Sono dos insones,
Acordar mil anos depois,
Imune ao Juízo Final.
Como se fosse possível!
45 - ILUSIONISTA
Fixo minha visão
Em um monstro quadrado
De um só Olho,
Que expõe em sua retina
Todo o mundo. Considero-me informada.
Não sou mais que sua prisioneira alienada.
46 - TREVAS
A lua pudica.
Esconde dos amantes explícitos
Sua pura e brilhante face.
47 - PASSADO
Caminhávamos passo a passo
No compasso de um “sim”.
Num desatino eu disse: Não!
Senti profundamente a falta do “sim”;
Esse, sim, seria destinado!
Fomos uma paralela sem ponto de encontro,
Um dia nossos ângulos esbarraram-se,
Dividimo-nos não seria tão fácil assim.
A de ontem não é hoje.
Houvesse concessão,
Talvez tivesse dado certo sim.
48 - ANTAGONISMO
Considero desprezível,
Escarafunchar minha
Árvore genealógica
A procura de parentes
Endinheirados
Para serem apresentados
Como referencial.
49 - CORDA BAMBA
O coração dá voltas
Na esperança morta
De uma perspectiva acabada.
A arte que lateja no peito
Está fora da cabeça.
Daí a não compreensão
Do sentido. A boca não cala
O que no peito saltita.
Ao externar o grito
Quebram-se fracos cristais,
Não dados à verdade que intimida.
Os reverenciados não choram,
Jamais gritam!
50 - RÉU CONFESSO
Ela era assim... Desvairada...
Sempre fugia de mim.
Eu? Era seu capacho, sim!
Aconteceu. O incomum nos uniu.
Quando nossos pontos se compatibilizaram
O rompimento foi inevitável.
51 - CHAMAS II
Cor estranha,
As nuvens no fim da tarde.
Deus pôs nelas
Um fogaréu que as ilumina.
52 - QUANDO A CHUVA PASSAR
Sei todos os erros,
Miro no espelho imagem distorcida.
Difícil desvencilho.
Canto o amor que não tive.
Águas claras, cristalinas.
Canto amargoso,
Sabor de salina.
Por que vagueia em mim
Essa desprotegida menina,
Que a mulher obsessiva
Esgota-a?
53 - VIDA MINHA
Escreverei com caneta alemã.
Presenciou a grande unificação,
Segundo a mentira de um amigo.
Odeio as ilusões!
Porem, só elas exibem-me
Um largo sorriso.
Errei tanto.
Disso não resultou
Experiência alguma.
Reduziram-me a pó.
Ainda pisam, querem a certeza
De suas marcas.
Cheguei aos “enta”!
Não passeei pela vida,
Ela me arrastou.
Cadê meu filho
E o homem dos meus amores?
Continuam incubados.
Estou de quatro! Exponho minhas mãos
Cheias de chagas. Isso lhe comove,
Mas as Suas me esmagam.
54 - ARBITRARIEDADE DA EMOÇÃO
Meu coração escravo,
Hoje, apanhou.
Mais do que em cem anos
De senzala.
55 - DÓ MAIOR
Mãos de quem toca piano,
Tocam-me.
Piano que chora,
Agredido pelas mãos
Daquele que exala
Emoções nas palmas.
Eu não canto
Se você cala
O som do piano
Das mãos que me embalam.
56 - FILHO MEU
Contemplo o meu inconcebível filho
Envolto em um manto de fantasia
Que o livra do legado pobre
De meus ancestrais.
57 - EXPECTAÇÃO
Ah!
Fosse você,
Que os meus olhos encontram,
Depois de vaguearem
Por becos solitários.
Tentativa de avizinhar-se.
Escapo.
Desapontamento mútuo.
Fosse você,
Nas pisadas silenciosas
Que ouço às minhas costas...
Nas mãos que delicadamente
Tapam-me as vistas
E imploram uma predição...
A entonação não esconde
Um descontentamento
Quando digo:
- Ah, é você...?
58 - BENEDITA DO AGRESTE
Sou daqui não,
Seu moço,
Nem vim para ficar!
Porém a vida teima em me deixar.
Por trás desta pele preta,
Seu moço,
Tinha uma branca alma.
Mas o sol da vida insistiu levar.
Um dia,
Seu moço,
Vou-me desse lugar.
Deixo para trás o sol,
A vida levo para amar.
Nessas eternas buscas,
Seu moço,
Não se vão nossos valores.
Talvez encontre um Pedro... Um Raimundo...
E a vida não mais traga tantos desgostos.
59 - MELANCOLIA
Saudade do inconquistável.
Dor que apodera o coração,
Sufoca o espírito
E tritura a alma.
Aquelas ruas não eram minhas.
Um dia pertenceram-me tanto.
Noites que não dormi
Vigiando-o nas madrugadas, sozinha.
Como se conta uma única vez?
Conta-se nas lembranças
Que a torna repetitiva.
Torturados nos desmanchamos
Como se fôssemos
Pura água salobra.
60 - PELO AVESSO
Essa coisa... Que lhe tira o sossego...
Que a deixa sem sono,
Cheia de chamego.
Chega sem rodeio. Troca o cheiro. Não opina.
A noite, apenas uma gota de Chanel
número cinco.
Pelo dia é pura água fresca.
Vai de bonde.
Mas sente-se uma rainha
De limusine,
Que traz aos pés Luiz XV.
Nariz empinado, cabelo domado.
Com um jeito só dela,
De quem não dá trela:
- Cai fora, Nego!
61 - ANIQUILAMENTO
A mente registra odiosas cenas
E tenta retê-las.
Os olhos contemplam
E expressam furor impotente.
A boca, essa profere doidices.
Quando não se realiza
Tem desejos inconvenientes.
Os pés não andam, oscilam.
O corpo débil chora ao lutar,
Mas o opressor não lhe põe fim.
62 - ROMANCE BÍBLICO
Lia ofertou a Raquel
Algumas mandrágoras,
Em troca de uma noite de amor
Com Jacó, seu também esposo.
Ana chorou amargamente
Sua dolorosa esterilidade,
Ao que Elcana argumentou:
“Não lhe sou eu melhor que dez filhos?”
Rebeca, uma montanhesa,
Seguiu rumo ao desconhecido.
Isaque quando a viu
Logo amou a mãe de seus milhares.
Coloquei minha melhor roupa de domingo
(Um vestido de chita bem lavado),*
Perfumei-me com o cheiro das ocasiões especiais.
Fui ao encontro daquele que Deus me dera.
________________________________________
* Florbela Espanca
63 - PRODUTOS DE UMA IRA
Fui ao País dos loucos.
Vi seres acorrentados,
Que me deprimiram,
Que me aterrorizaram.
Fui ao Estado dos degenerados.
Estavam trancafiados
Como monstros enjaulados,
Presos pelas grades que lhes aplacavam a ira.
Fui à Cidade dos isolados,
Homens agonizavam!
Os bichinhos comiam o “bicho”
Pondo fim à figura maléfica.
64 - LONGO MINUTO DE LOUCURA NA LUCIDEZ DE LAURA
Desceu por degraus
De uma escada sem fim,
Para no vazio do seu EU
Mergulhar.
Lá havia setas indicando-lhe caminhos.
Os quais se negava percorrê-los.
A depressão acolhendo-a.
Induzindo-lhe à loucura
Tais quais suas companheiras.
A angústia invadiu lhe a alma!
Chorou.
Lágrimas aqueceram-na
E Laura “voltou”.
65 - DISPERSÃO
Foram tantos erros,
Para poucos acertos!
Foram tantas ilusões,
Para poucas paixões!
Foram tantos amantes,
Para poucos amores!
Foram tantos desejos,
Para poucos ensejos!
Foram tantos dissabores,
Para poucas alegrias!
Foram tantos dias,
Para poucas horas!
Foram-se
Tanta gente...
66 - GRIS
Quatro paredes,
O teto, o piso.
Eu ao meio.
Não levito,
Esmago o piso.
O teto me esmaga.
Abro uma imensa fresta
Por onde avisto um arco-íris,
Pintado pelas cores da minha vida:
Preto e cinza.
Cinza-preto.
***