POEMAS DE AUZENATE
POEMAS DE AUZENATE

Por Natty Alves.

 

1 - AFOGADOS SONHOS

 

Pus meu barco

Carregado com mil

Quimeras a navegar.

 

Navegando com meus

Sonhos pesados.

Pesados sonhos

Que o pôs a naufragar.

 

Naufraguei num

Mar de incertezas.

Incertezas que me

Fizeram despertar.

 

Despertei num

Tempo perdido.

Perdido tempo

Que não aprendi

A sonhar.

 

Sonho esse que

Embriagava-me.

Embriaguez que

Não mais quero lembrar.

 

1989

 

2 - RUMO À MORTE

 

Vou seguindo rumo ao horizonte

Levado por um vento forte

Amável, quase tenebroso.

Convidando-me rumo à morte.

 

Minhas pegadas na areia

Já estão quase se apagando.

A alma do meu corpo

Já sinto se afastando.

 

Não sei se gritei ou se calei.

Silenciosa, ela beijou-me a testa.

Foi quando me senti pronto.

Pronto a ir com ela.

 

Vou seguindo rumo ao horizonte,

Pois lá encontrarei a sorte

De viver em paz com tudo.

De viver em paz com morte.

 

3 - O RIO E A CIDADE

 

Atirou-se da via-Dutra

De mãos dadas com o pôr-do-sol.

Mergulhou nas águas do rio

Envolta com seu lençol.

Nadou, com braçadas largas,

Fazendo um percurso infindo.

Beijou o rio, se enamorou,

Dormiu sorrindo.

 

Sonhou banhada de leveza

Entre águas claras e luas.

Que o rio enquanto ela dormia

Banhava suas pequenas ruas.

 

E quando amanheceu, o sol

Iluminando-os com sua luz.

O rio caboclo apaixonado

E ela a tudo se fazia jus.

 

Numa melodia náutica

Cantaram, então, o amor.

Ondulados no véu azul,

Molhados de frescor.

 

Então o amor se fez.

Entre a menina linda, e o rapaz rico.

Ela Petrolina,

Ele Rio São Francisco.

4 - SENILIDADES

 

De todos os ângulos

Nada se sabia, no entanto

A tudo ouvia.

Por que perguntar

A tantas Marias?

As lembranças lhe devoravam

No pensamento do seu dia.

Rosto jaz no cansaço.

Caminhar já não podia.

Olhos brilhantes

Já não via.

Lembranças antigas,

Nem o bonde sequer existia.

Às vezes se revoltava

E a tudo queria.

O sonho lhe abandonou.

Restou-lhe apenas nostalgia

E no badalar de tantos anos

Nunca soube que tudo

Um dia se foi.

 

5 - LEVITAÇÃO

 

No levitar do amor

Leve tombo de tanto amar.

Ardor e dor a incomodar

Como quem a doar

Parte do amargor.

Embriaguez com a dor

Que o amor fez brotar.

Podar, regar.

A súplica constante.

Amar a todo instante

Em soluços presentes.

Ausentar-se da solidão tão vivaz

E ir a busca de um coração

Que já não bate mais.

 

6 - TERÇA, 26

 

De todas as incertezas da vida

Tive a certeza de ser

Sereno em terra ressequida.

O mormaço que exalava

Deixava-me sem fôlego

E a terra não molhava.

Como conta gotas num oceano

Fui absorvida pelo cansaço.

Das ilusões, castigos e desenganos.

Doe esse coração que bate

Sem nenhum sentido dentro de mim,

Sentindo que é chegado o fim.

 

O céu arranha

Meus dedos...

 

7 - ESPERA II

 

Há demora, embora que vague...

Vais embora sem demora

E vagas dentro em mim.

 

Há uma vaga em mim,

Embora queira a demora

De você em mim.

 

E vais logo embora

Vagando na demora

Embora dentro em mim.

 

Condeno-me à morte

Pelas falas nesse teatro de fantoches

Onde o absurdo é inerente

Do corpo e da mente.

 

Condeno-me á reclusão

Por esse bombardeio e invasão

De seres que deixam de ser

Homens de próprio querer.

 

E já absorto no meu mundo

Vendo a beleza do eu profundo

Liberto-me à essência da vida

Que lá fora é absorvida.

 

Por meras palavras perdidas no nada

Do que chamam amor

Fachadas e casas caiadas

Que só podem ser vistas

Na hora da dor.

 

8 - MOMENTOS

 

Momentos que marcam,

Que nos envolvem

E que vagam.

Que nos percorrem.

 

Momentos que soam,

Que nos fazem vibrar

E que sopram,

Que nos fazem voar.

 

Momentos que marcam.

Lembranças que agarram

Momentos que soam,

Depois voam.

 

Sonhos passados.

Recordações tardias.

Corações desgarrados,

Vidas vazias.

 

9 - RESOLUÇÃO

 

O meu caminho é incerto.

Meu amor no fim,

Meu fim tão perto.

 

Choro sem consolo

Pela metade perdida

Pelo ventre cheio

E minha alma ferida.

 

Vida! O que mais me espera?

É preciso ser forte

Para libertar-me do que me encerra.

 

Quero o retorno do sonho perdido

Um amor sempre constante

E a sensação de haver vivido.

 

Absorvida por uma imensa paz,

Sem nunca olhar pra trás.

 

1992

 

10 - CONTRATEMPOS

 

Não adianta gritar.

Não adianta berrar.

Se as coisas hão de vir,

Não sei,

Tudo irá passar,

Nada há de ficar,

Talvez.

Haja corpo e gingado

A dançar no tablado,

A viver ou morrer

De vez.

Conselho e hipocrisia.

Massa, burguesia.

Toda e farta

Escassez.

Viva e cante a vida.

Nessa dura corrida

Quem ganha?

Não sei.

Quem sabe um dia

Seremos mais felizes?

Talvez.

Conhecemos a tudo isso

Somos singulares

Em veementes altares

A desmoronar

De vez.

Murmúrios e lamúrias

Nada se resolve,

Para quem só tem

Escassez.

 

Não sei se

Talvez sairemos

De vez dessa

Dura escassez.

 

1994

11 – A GLÓRIA DA ROSA

 

Na solidão dos seus dias

Mais agonizantes

Viu-se só.

Desamparado pelo Pai,

Crucificado por corações

Que não o compreenderam.

Glorificaram sua morte.

O seu amor fora maior que

O sol ardente dos que o infligiram.

Pétalas caídas ao chão,

Rosa púrpura machucada.

Refez-se ao terceiro sol

Vencera a morte.

E o seu coração se deleitou

No Pai que o esperava.

 

1994

 

12 - PEDAÇO DE MIM

 

Corre correnteza,

Nasce nascente.

Sou um poente

Que se deita à beira mar.

Vida cristalizada,

De ventos a me levar.

Sou sol quente,

Mas pairo onde a lua está.

Mar de solidão

Estende-se pelo mundo afora.

Chora coração.

Caio na correnteza,

Sou rio agora.

 

1994

 

13 - ALTER EGO

 

Josefina moça linda

Saiu do meu peito calado

Para esse mundo barulhento.

No acalento de versos perdidos

Fez-se mulher.

Desmantelou meu sentido

Esvaindo-se em letras.

Que deram forma ao contorno

De suas pernas.

Donzela

A procura de um soneto para amar,

Não gostou da loucura

Terrena, pequena.

Suprema, voltou ao meu peito

Como se nunca houvera saído.

 

1994 

 

14 - MELHOR ASSIM

 

Hoje estou triste por tudo.

Por tudo que me fez inerte.

Por tudo que se perde.

Hoje estou triste, de luto.

 

Cauterizaram-me por nada.

Até minha poesia está triste,

Não sente mais que existe.

Não se sente mais amada.

 

Não mais sei me distinguir

Em milhões de caras pálidas.

Nem sei se paixões são válidas.

Nem sei se sei ainda ouvir.

 

O meu sonho adormeceu.

Deveras triste também.

Talvez durma no mar d´além

Talvez finja que morreu.

Quando tudo se torna assim

Corro ao meu silêncio profundo,

Corro ao meu próprio mundo,

Quando tudo parece o fim.

 

01/1995.

 

15 - VELOCIDADE

 

Tento viver a vida

Em alta velocidade.

Velocímetro já não existe

E a estrada percorrida,

Em suma, é a verdade

Do meu ser que não desiste.

 

Essa amiga velocidade

É tão somente o sonho

Dessa tal realidade

Que não existe, suponho.

 

Passo rápido, sem perceber.

Vejo-me caída no asfalto.

Atropelo o meu querer,

Em choque de sobressalto.

 

Mesmo assim continuo a correr

Seguindo esse vento arredio,

Abastecendo de sonhos

O meu ouvido vadio

Ao infinito me levando.

 

04/1999

 

16 - IMPREVISÍVEL

 

Falas baixinho para

Não acordar o mundo,

Embora me faças acordar

De um sono profundo.

 

Abraças-me para

Acordar o mundo e não vê

Que de tão suave

Fazes-me adormecer.

 

02/2000

17 - PARTIDA

Vi por uma cortina sórdida

Na penumbra dum quarto vazio,

Sob terrível semelhança mórbida,

O teu lindo olhar gentil.

 

Dores perdidas na beleza

Da tua palidez arrogante.

Olhavam-me com tristeza

Vendo minha inquietude relutante.

 

O vento levantou o pó da nossa eira

Levando-te a outro mundo.

Balançando as palhas da palmeira.

 

Eu: menina jogada ao léu

Sozinha com meus dias de dores

Tu: estrela reluzente no meu céu.

 

(Escrito em 1990 – só entendi esse poema quando vi minha mãe partindo).

 

18 - ADEUS (mãe)

 

Como suportar a dor

Que só o amor faz brotar?

Como carregar esse amor

Que tão cheio de dor

Faz minha vida amargar?

 

A vida já não é tão sublime.

Tudo é um desatino

E a minha alma arde

Com o calor de um sol a pino.

 

E quando a morte da vida

Torna-se inevitável,

Viro vítima do destino

E convivo com o insuportável.

 

2011

 

 

***