Homem de fé
A árvore genealógica dos “Batistas”, sem grandes aprofundamentos, tem início, para nós, com a união de Álvaro Batista de Azevedo, branco, de olhos azuis, e Joana Alexandrina de Melo, cabocla, de cabelos escuros, meus bisavôs maternos.
O casal teve dezoito filhos. Nove morreram de vários males e má sorte, como picada de cobra, afogamento e dois deles enlouqueceram. Dos nove que sobreviveram alguns morreram na velhice são eles: Joaquim Batista, Izídio, Bonifácio, Salvino, José, Manoel, Francisca, Vicência e Maria Batista, que morreu de parto. Eles iniciaram suas vidas no sítio Escondido, no sertão de Logradouro, próximo à cidade de Patu.
Entre esses nove filhos sobreviventes encontravam-se Joaquim Batista, meu avô, pai de Laura Batista (minha mãe), bem como a filha Maria Batista, minha avó, mãe de meu pai João Alves.
Nesse sítio eles possuíam vacas, muitos burros, casa de farinha, engenho de cana de açúcar para a produção de rapadura e mel, carro de boi, etc. Toda essa fazenda fazia com que eles fossem considerados pessoas de posses, abastadas, levando em conta a condição social da maioria no interior do sertão.
Em 1927 meu bisavô Álvaro tomou conhecimento da abundância que se dava em sítio Piranhas, um lugar que naquele ano estava bem agraciado por abundantes chuvas. Álvaro vendeu parte do que tinha, deixou o sítio Escondido levando consigo outra parte de animais, e se alojou definitivamente em sítio Piranhas. Foram os primeiros “Batistas” a residirem nessa localidade.
Certo dia meu bisavô Álvaro arrumou-se e, deixando as Piranhas, foi à feira, a cavalo, em um município próximo. Em chegando lá se apeou do animal e segurando as rédeas o conduziu para amarrá-lo, contudo não conseguiu completar tal ato. Caiu fulminado pelo ataque do velho coração.
Minha bisavó, Joana, morreu aos oitenta e oito anos. Era muito lúcida, até ser acometida de AVC.
Anterior a vinda de meu bisavô para o sítio Piranhas, essa localidade pertencia à família “Alves Brilhante”, estes eram parentes de Álvaro. Provavelmente a origem do sobrenome “Alves” venha dessa ascendência. Os mais velhos contam que não havia nenhuma objeção quanto a adotar um sobrenome, indireto, que alguma família considerasse interessante.
Joaquim Batista era casado com Honorina Feitosa, sua primeira esposa, quando moravam em sítio Piranhas no ano de 1929. Eles tiveram oito filhos: Pedro Batista, Valdivino, José, João, Raimundo, Rosa, Raimunda e Francisca Batista. Honorina faleceu em 1930, de tuberculose.
Luís Soares e Vitalina Leal Pimenta, também meus bisavôs maternos, moravam, do mesmo modo, em Logradouro, próximo ao sítio Piranhas. Dentre os vários filhos desse casal, Lídia Leal Pimenta, minha avó, que se casou com Joaquim Batista e veio a ser sua segunda esposa.
Todos se conheciam naquela redondeza. O viúvo Joaquim costumava, de tempos em tempos, visitar a família de Lídia. Começou, a partir dessas visitas, a troca de olhares entre os dois. Joaquim não se intimidou ante o fato de ser pai de oito filhos. Criou coragem e logo pediu Lídia em casamento, mas o pai dela não consentiu. Meu bisavô, seguindo o costume dos antigos, quis dar uma das filhas mais velha do que Lídia, inclusive meu futuro avô poderia escolher entre duas delas, mas com a mais nova ele não se casaria. Meu avô se negou, afinal seu coração batia mesmo era por Lídia.
Temeroso, meu bisavô levou sua filha para a casa da irmã dele, Mônica, tia de Lídia, que ficava um tanto longe. Joaquim compreendeu e aceitou esperar o momento adequado. Tempos depois eles se reencontraram e combinaram de fugir, levando com eles um acompanhante como testemunha, que era o cunhado de Joaquim, onde Lídia ficaria desposada em casa do mesmo.
Tão logo meu avô deixou minha avó sob os cuidados de meus tios, seu cunhado resolveu “cantar” a futura esposa de Joaquim. De maneira mais ridícula ele disse:
- Lídia, vamos fazer uma “coisinha”? Se é que podemos chamar isso de “cantada”.
Minha avó zangou-se e muito indignada tascou:
- Me respeita, cabra, que eu sou mulher de um homem só. Se isso acontecesse o que eu diria para meu futuro marido?
Ante a negativa veemente de Lídia, o cunhado de meu avô encheu-se de medo e implorou que ela nada contasse. Sabedor da valentia de Joaquim ele estava apavorado com sua atitude impensada. Lídia não obedeceu.
Lídia contou tudo a Joaquim e ele pegou um facão e correu atrás do cunhado. Joaquim exigiu que ela juntasse seus poucos pertence e colocando-a na garupa do cavalo partiram dali. O cunhado, sensível, chorava alto e implorava perdão, pedindo que eles não se fossem. Na verdade ele seria meu avô, casado com Maria Batista, mãe de meu pai.
Um pouco distante da casa Joaquim ouvia os rogos de seu cunhado. Comovido resolveu voltar e dar uma segunda chance ao mesmo. Lídia continuou com esse casal por uns dias.
Conta-se que a noite meu avô vinha em ponta de pé, pulava a janela e entrava escondido no quarto onde Lídia estava, só saindo de madrugada. Não se sabe se isso é totalmente verdade.
Minha avó Lídia amava meu avô Joaquim. Todos ficavam espantados com a coragem dela ao querer casar com um viúvo, pai de tantos filhos, sendo o mais velho com apenas dezoito anos. Ela não dava ouvidos. Foi amor à primeira vista por aquele senhor maduro e elegante. Seus enteados a chamavam de “sinhá Lídia”.
Ele se vestia bem trajado, sempre em terno de linho e chapéu à moda da época. Casaram-se em 1931, tiveram onze filhos, morreram quatro.
Os filhos da primeira esposa, Honorina, casaram-se tão logo a idade permitiu. Todos passavam a morar nas proximidades, formando uma enorme família de irmãos, tios, sobrinhos e primos. Essa família numerosa transformou o lugar que passou a se chamar, “Piranhas dos Batistas”.
Joaquim Batista travava uma pequena, porém irritante batalha com seu irmão José Batista. Eles discutiam bastante por causa de cerca quebrada, suposta invasão de limites de terra, invasão de animal, etc. José Batista prestava queixa de seu irmão em delegacia, mas sempre perdia a questão.
A família era extremamente respeitada. Mas em 1942 as Piranhas experimentaram uma terrível seca que se repetiu em 1958. O lugar começou a mudar. Com a escassez muitos procuraram outros meios, inclusive sair da localidade. A família começou a entrar em decadência financeira.
A seca era grande, mas não matava ninguém, apesar das muitas dificuldades. Nesse período apareceu um amigo íntimo de meu avô e o persuadiu a ir para o Brejo, interior de Natal. A propaganda a respeito da prosperidade do Brejo era enorme e convincente. Meu avô vendeu os animais e parte de sua terra. No mesmo ano de 1942 meu avô juntou todos os motivos e partiu para a cidadezinha Brejo. Lá sim, ele conheceu o que era vida dura, trabalhando na diária, em terra alheia e na construção de estradas.
Foram e vieram de burros, cavalos e jumentos, eram duas famílias, verdadeiros retirantes nordestinos. Acampavam-se debaixo de árvores para as refeições, pediam hospedagem em alguma casa à beira da estrada, que às vezes era negado. Segundo minha tia Tereza, filha mais velha de Joaquim, quem fazia a festa eram as entusiasmadas crianças.
Minha avó Lídia estava grávida de seis meses, carregava em sua barriga minha mãe Laura.
Meu avô adquiriu uma ferida no pé que não se cicatrizava, provavelmente por problema de circulação sanguínea, que o deixou acamado e o impediu de trabalhar. Ele tinha febre altíssima, tremor, e gemia muito, nem conseguia se mover. Seus filhos homens adoeceram todos e também não tinham como prover o sustento.
Pouco tempo atrás minha avó irritada com o fato de meu avô gostar muito de jogo de baralho, entre amigos, jogou-lhe uma praga: “Tenho fé em Deus que você ainda vai ficar de esmola!” Ficou. Mas a situação atingiu-a mais diretamente.
Enquanto estiveram no povoado Brejo até fome passaram.
Rosa, uma das filhas mais velha do primeiro casamento de Joaquim era quem saia para pedir víveres nas casas do vilarejo, junto com as demais crianças.
Minha avó saia meio que apenas para "visitar" os conhecidos. Sabedores da situação precária da família sempre lhe davam alguma coisa. Voltavam muito tarde da noite e só aí cozinhavam, acordavam alguns meninos e lhes davam a comida. Outra hora invadiam as roças alheias, inclusive a do patrão, para pegar milho e batata-doce.
Rosa era noiva do próprio tio. Toda a família fora contra, mas nada puderam fazer ante a persistência do casal. Tempos depois ela terminara o noivado. O tio ficou desesperado, mas ela não reatou o compromisso. Poucos anos depois se casou com um viúvo, coisa que dizia jamais fazer.
Meu avô não apresentava melhora e continuava sem poder trabalhar. Para piorar a situação eis que eles recebem a notícia de que José Batista também viera morar naquele lugar.
Tereza Batista, uma das filhas mais velha, era ainda uma criança nesse período, mas ficava para cuidar de seu pai doente. Sentindo a fome gritar em seu estômago encontrou, a muito custo, dezesseis caroços de feijão, cozinhou e os comeu, junto com um ralo caldo, sabendo que não seriam suficientes. Certa feita ela saiu, com outras crianças, a ver se conseguia algo. Encontrou em uma lagoa uma porção de girinos, larvas de sapo, e pensando que eram filhotes de peixe se animou bastante e se pôs a prepara-los para cozinhar. Minha avó chegou a tempo e a salvou desse prato tão indigesto. Ao narrar esses fatos Tereza me disse: “Minha filha, a fome tem cara de herege”.
Meu avô não ficara completamente bom, mas tão logo apresentou melhora, meses depois, empreenderam viagem de volta, fazendo o mesmo percurso e da mesma forma que vieram.
Com eles havia duas jumentas. Uma se chamava “panela” e a outra “marreca”. Uma dessas jumentas forneceu seu leite para alimentar minha mãe.
Dias depois de acomodados em sítio Piranhas, meu avô tomou conhecimento que seu irmão José Batista, que também havia ido, estava de volta do Brejo. Retornou e foi morar novamente nos limites da terra de seu irmão. Meu avô dizia:
- Eu não aguento mais! Esse homem parece uma maldição em minha vida.
Para piorar, os sobrinhos, filhos desse irmão, também faziam suas guerrinhas a meu avô e duas de suas filhas namoravam os filhos de José Batista, mais tarde, uma dessas filhas, Tereza Batista, casou-se com Vicente Batista, seu primo. Anos depois, José Batista, que sempre fora iracundo e praguejava muito em nome do Diabo, morreu meio esclerosado e meio louco, gritava e xingava todos à sua volta.
Em 1948, aproximadamente, por meio da pregação do pastor Francisco de Assis e depois sob os cuidados do pastor “Ramirão”, após a conversão de Pedro Batista, seu filho mais velho, primeiro a converte-se ao Evangelho, nas Piranhas, Joaquim também converteu-se ao Evangelho.
Joaquim jogava baralho, embora esporadicamente, bebia e fumava cachimbo. Agora crente, testemunhava que Jesus o libertara completamente de tudo isso.
Minha avó detestava os evangélicos. Quando os cultos passaram a ser em casa de meu avô ela sempre dava um jeito de sair de sua residência, junto com os três filhos: Laura, Vicente e Maria. Punha uma trouxa na cabeça das crianças, que era composta por uma rede e lençol, e iam dormir em casa de algum parente na vizinhança ou de uma comadre. Em uma dessas noites, em que ela saía de casa, encontrou-se com um de seus enteados no caminho, que a interpelou:
- Aonde vai, sinhá Lídia?
- Vou dormir em casa de minha comadre, pois hoje os “bodes” vêm “bodejar” lá em casa.
- Faça isso não, sinhá Lídia. Eles são gente boa e não vão perturbar a senhora. Eu garanto. Volte para sua casa. Ela obedeceu.
Enquanto havia o culto na sala, Lídia ficava na cozinha pitando seu cachimbo sem que ninguém visse sua face. Foi ouvindo... Foi ouvindo... E pouco a pouco se aproximando. Primeiro só a cabeça aparecia na porta, depois já podiam vê-la por inteiro, algum tempo a mais e ela já assistia o culto por completo. Anos mais tarde, ante o diagnóstico de uma terrível tuberculose, Lídia rendeu-se ao Senhor Jesus. Quase morreu, mas Deus a curou.
1959 foi um dos melhores anos na vida dos moradores das Piranhas. Houve um grande inverno e teve boa chuva durante alguns meses naquele ano. Houve grande abundância na agricultura de um modo geral. O rio Piranhas, vindo da serra dos Catembas, transbordara.
No final de 1962, após vender o que restara de sua terra em pedaços, Joaquim Batista, a convite de seu filho Pedro, levou parte da família: sua esposa e dois filhos solteiros, Maria e Vicente Batista, para morarem em Mossoró. Precisamente em uma casa de taipa construída no terreno do filho, no bairro dos Pereiros.
Meu avô trabalhava apenas fazendo bicos diariamente. Vicente Batista aprendeu, nesse tempo, o ofício de marcenaria e Maria Batista fora trabalhar em casa da bem conceituada família Duarte, de Mossoró. Ambos ajudavam, e muito, no sustento de toda a família.
Junto a essa família trabalhava também Obeci Duarte, um parente distante da mesma, que se engraçou de minha tia Maria, e quis logo casar-se. Ela aceitou e comunicou a família. Meu avô ficou desesperado, insistiu para que ela não se casasse. Com medo de perder o arrimo de família, falou-lhe:
- Se você vai casar, e vai embora dessa casa, pegue logo um pau e me mate!
- Papai, o senhor me peça tudo. Só não me peça para eu não casar. Eu não vou sair daqui, papai. Não vou deixar vocês. Garantiu Maria.
Meu avô não acreditava. No dia do casamento, no civil, em 1967, ele a abençoou, mas não compareceu.
Maria Batista cumpriu o que prometeu, e seu esposo, que era a mansidão em pessoa, aceitou morar em casa dos pais dela sem nenhuma objeção.
A vida prosseguia sem avanços. Apenas meu avô, sentindo o peso da idade pedia constantemente que Deus o levasse para junto de si, pois se dizia muito cansado. Deus o ouviu.
Certo dia, em setembro de 1968, Joaquim confidenciou à família:
- Eu ouvi uma voz que me falou: “Joaquim, se prepare que você vai fazer uma viagem”. Essa viagem significa que eu vou “partir”.
Minha avó o repreendeu e afirmou que isso era uma grande bobagem. Joaquim não lhe deu ouvidos e preparou-se.
Naquela manhã começou enchendo os potes, grandes jarros de barro, existentes na casa, e demais vasilhas, e dizia: “Vocês poderão estar muito agoniados para se preocuparem com mais isso”. Esforçou-se para arranjar lenha para abastecer o velho fogão. Ao concluir essa etapa pediu ao meu tio Vicente que lhe tirasse a barba, pois “era muito feio um defunto barbudo”. Nessas horas a família se chateava muito e dizia que ele estava se agourando.
No dia desses acontecimentos, por último pediu a minha avó a melhor roupa, a que era reservada para passeios. A contra gosto minha avó cedeu e ele dormiu arrumado.
Dia seguinte minha tia Maria foi para o trabalho, antes pediu que o pai a abençoasse e ele o fez.
Cinco horas da manhã ele acordava minha avó com a costumeira frase:
- Levanta, Lídia. Vai fazer o café. Repetindo-a naquela manhã.
Minha avó levantou-se. Lavou o rosto e foi tirar a cinza do fogão para preparar o fogo, quando ouviu meu avô chamar:
- Lídia, venha aqui que está me dando uma agonia como nunca me deu.
Ela foi até ele e o contemplou em aflição. Rapidamente ela chamou meu tio Vicente, que foi até o velho pai e a seguir foi chamar o vizinho farmacêutico que aplicou uma injeção em Joaquim, mas ele não esboçou reação. Meu tio choroso pediu-lhe a bênção, ele apenas gemeu e se foi para os braços de quem ele tanto almejava.
Assim “partiu” meu avô, sem dar nenhum trabalho. Retiraram-no da rede, ele já estava pronto para ser enterrado. Faleceu, segundo tia Maria, aos oitenta e dois anos, ele que nascera em 1886.
Em 1970, Obeci, esposo de Maria, morreu atropelado em um acidente ao ir de bicicleta para o trabalho, em Mossoró, quando fazia apenas três anos de casado. Apenas dois anos depois da morte de seu sogro.
Maria Batista recebe uma indenização, com isso comprou uma pequena casa no bairro São José, próximo a Avenida Delfim Moreira. Entrega a casa de Pedro, seu irmão, e muda-se, ela, seu único filho pequeno, sua mãe Lídia, e seu irmão Vicente, que logo se casaria e passou a morar também com a esposa Marlene.
Tempos depois, já com alguns filhos, Vicente e Marlene vão tentar a sorte em São Paulo e lá ficam por vários anos, até que o casal, com os filhos praticamente adultos, resolve divorciar-se. Vicente é acometido de forte depressão, não se sabe se pelo impacto da separação de sua esposa e filhos ou por tendência familiar, como é constatado.
Assim Vicente deixa a família em São Paulo, depois de morar lá por mais de duas décadas, e vem novamente residir com a irmã em Mossoró. Mas ele nunca mais foi o mesmo, não mais conseguia manter uma vida profissional.
Certa noite Vicente tem um sonho onde ele, vestido de branco, se encontra em um lindo jardim. Evangélico, ele vê nisso um sinal da parte de Deus.
Em março de 2001 Vicente sofre um ataque cardíaco, após conviver com sua irmã por aproximadamente dez anos, faleceu aos cinquenta e cinco. Foi um duro golpe para Maria, tão apegada a esse irmão.
Eu amava esse tio. Tinha muita afinidade com ele. Inclusive passei uns três meses em São Paulo, anos atrás, em casa dele e da esposa Marlene, onde fui bem recebida.
Até o ano de 2001 Lídia era uma pessoa muito lúcida em seus 92 anos. Ela era muito unida ao filho caçula Vicente. O retorno dele foi como proporcionar a ela a volta do filho “solteiro”, o qual ela tinha muito cuidado. Porém, a morte dele afetou um pouco sua lucidez e ela já não dizia coisa com coisa. O médico atribuiu isso ao abalo emocional sofrido. Nos dias que se seguiram, após o enterro desse filho, pela manhã, ela sempre o procurava para dar-lhe o café. Era um custo convencê-la de que ele já não estava ali, havia falecido. Seu único neto, naquela casa, Erasmo Duarte, cheio de compreensão e paciência, por vezes a levava até o cemitério para melhor persuadí-la.
Quando Lídia realmente se convenceu de que seu filho tinha morrido passou a clamar noite e dia: “Senhor, me leve para junto de meu filho”. Repetia constantemente.
Muitas vêzes ela não conseguia dormir e perambulava pela casa. Em uma dessas noites insone, na madrugada, ela procurou um emaranhado de linha, um suposto “crochê” que dizia fazer, e que se encontrava em cima de um guarda-roupa. Minha tia Maria estava deitada em seu quarto quando percebeu que ela caiu. Levaram-na para o hospital. Lá foi constatado que ela fraturou o fêmur, chegando a fazer cirurgia.
A cirurgia ocorreu muito bem, mas no pós-operatório Lídia ficou muito agitada, não aceitando ficar no hospital, levantando-se bruscamente, arrancando os procedimentos venosos, o que afetou ainda mais sua lucidez. Não resistindo àquela agonia, quarenta dias após a morte de seu filho, morreu, aos 92 anos. Ela nasceu em 1908.
Maria Batista encontra-se morando com seu único filho e está com oitenta anos (2018). Nunca quis casar, depois da viuvez, nem teve a sorte de cruzar com alguém à altura de seu marido com o qual viveu tão bem, embora por tão pouco tempo. Ela morou sessenta e três anos com sua mãe Lídia.
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